Olhar o deixado escrito: Maria Velho da Costa e a desescrita da memória

Autores

DOI:

https://doi.org/10.51359/1982-6850.2024.265083

Palavras-chave:

Literatura-MVC, Linguagem-Ruína, Memória-Escrita-Representação

Resumo

No pressuposto de um legado, este como uma dádiva transmitida, encontra-se, desencontrada e desirmanada das correntes e das classificações, a Desescrita de Maria Velho da Costa. Tanto se ouve que do que se tem memória se faz legado, como que da transmissão se produz uma memória. Nessa indefinição, cabe à desescrita acompanhar o projeto, não para esclarecer, mas definir o material da escritura ou arquitetura da escrita. Não sendo necessariamente uma escrita pelo negativo, desconstrói, sim, a linguagem até ao seu avesso onde se desdobram na invisibilidade as vozes inviáveis. Na aceção de Nancy, são estas experiências anteriores e latentes ao normativo-repressor que fazem a fenda e se manifestam no contratempo da desescrita. Serão invocados os argumentos de, entre outros, Blanchot, Federici, Gago, Harding ou Levinas, no apoio de uma estética do arruinamento promovida por Deleuze e Guattari e aplicada à erosão que a nossa escritora impregna nas escarpas da fala que a sua linguagem des-escreve, testemunhando tanto a dejeção de corpos homogéneos quanto o abandono dos corpos heterogéneos. O mesmo aporte teórico servirá para questionar o rosto da memória, contrariando, muitas vezes, o deixado, uma vez que desescrever, embora por um lado seja “desinvestir a palavra de seu poder de dizer o mundo”, é, por outro, “declarar abertamente o silêncio do mundo” (FERNANDES, 2015) — fazendo-nos aproximar a memória de uma representação em ruína, traduzida esta por uma linguagem de sujeitos truncados; não como vestígio, mas, na sua condição de terreno movediço, como o que do caos é possibilidade.

Biografia do Autor

Susana Vieira, Universidade Nova de Lisboa

Doutoranda em Estudos de Literatura (FCSH-Universidade NOVA de Lisboa), investigadora em Estudos Lusobrasileiros (FLUL) e colaboradora em projetos da UNESP e da UNICAMP. No âmbito da sua área de investigação (obra de Maria Velho da Costa) tem artigos e capítulos de livros publicados e participações em congressos internacionais. É professora nos cursos de Cultura e Língua Portuguesa (Universidade de Lisboa) e colabora em diferentes projetos de arte inclusiva.

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Publicado

2025-02-26