Idioma
Cuidadores familiares na atenção domiciliar: aspectos sociodemográficos, clínicos e de ansiedade
Paz PP, Druzian JM, Duizith DGM, Rossato K, Silveira CS, Siqueira DF, et al.
INTRODUÇÃO
A prática de cuidar de um familiar adoecido no domicílio tem se tornado cada vez mais frequente na sociedade atual, causando impacto tanto na saúde dos cuidadores quanto na dinâmica familiar, tendo em vista que esta ação pode impor uma carga substancial sobre aquele que assume os cuidados.1
O cuidador é a pessoa responsável por fornecer os cuidados de acordo com as necessidades do indivíduo assistido, desempenhando esta atividade de maneira regular ou contínua. Suas funções abrangem desde o suporte em atividades básicas, como alimentação, higiene e locomoção, até o apoio emocional.2 O cuidador pode ser classificado como formal, ou seja, aquele que possui treinamento específico remunerado pelo seu serviço, ou informal, aquele que não possui formação e nem remuneração, sendo geralmente um membro da família, constituindo-se o objeto deste estudo.3
Cuidar de um familiar pode ser uma experiência recompensadora, mas também pode causar dificuldades físicas, emocionais e psicológicas para o cuidador, visto que essa função transcende o auxílio em atividades básicas, ao assumir uma complexa gama de responsabilidades que impactam seu tempo, recursos e bem-estar. Dessa forma, a responsabilidade pela assistência atrelada às mudanças no seu cotidiano são fatores que podem afetar negativamente a saúde e o bem-estar daquele que assume esta função.2,4
Entre as consequências negativas desse papel, destaca-se a ansiedade, que pode surgir em decorrência da sobrecarga de responsabilidades, falta de apoio, estresse prolongado e das incertezas associadas, tanto ao estado de saúde do familiar quanto do cuidado que está sendo ofertado. Tal fato, além de impactar negativamente na qualidade de vida do cuidador, também pode comprometer sua capacidade de oferecer cuidados eficazes ao dependente.5,6
Desse modo, torna-se relevante ampliar os conhecimentos relativos aos aspectos que permeiam o cotidiano do cuidador familiar e as implicações em sua saúde. Ademais, reforça a importância de estudos acerca das características sociodemográficas, clínicas e psicossociais dessa população, não apenas para compreender a realidade dos cuidadores, mas também para orientar intervenções eficazes. Diante disso, traçar um panorama abrangente desses aspectos possibilitará desenvolver estratégias de suporte direcionadas e eficientes, visando não apenas ao bem-estar dos cuidadores, mas também à qualidade do cuidado prestado.
Ante o exposto, objetiva-se analisar o perfil sociodemográfico, o perfil clínico e os níveis de ansiedade de cuidadores familiares na atenção domiciliar.
MÉTODO
Trata-se de um estudo quantitativo, de natureza descritiva. Participaram da pesquisa 30 cuidadores familiares principais assistidos por um Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) de um hospital universitário do interior do Rio Grande do Sul. Salienta-se que a amostra corresponde ao número total de pacientes assistidos pelo referido serviço no período da realização da coleta dos dados. Como critérios de seleção dos participantes, foram considerados: ser cuidador familiar principal, com idade igual ou maior a 18 anos. Como critérios de exclusão, definiram-se os cuidadores que, embora familiares, eram remunerados. No entanto, destaca-se que nenhum cuidador foi excluído por este motivo.
A obtenção dos dados foi desenvolvida de modo híbrido, de forma presencial na residência dos cuidadores familiares ou dos pacientes, e de maneira virtual, por videochamada, conforme a escolha do participante. Tal modalidade foi adotada tendo em vista que esta etapa ocorreu durante a pandemia da Covid-19. Cabe destacar que as coletas presenciais foram realizadas seguindo todas as recomendações de biossegurança.
O procedimento inicial para identificar os cuidadores familiares ocorreu durante as reuniões de equipe e informações cedidas pela enfermeira do SAD, sendo, posteriormente, realizado contato telefônico. Neste primeiro contato, os cuidadores eram informados do propósito da ligação e convidados a participar do estudo de forma voluntária, garantindo-se o sigilo, anonimato e o direito à recusa. Ante o aceite, foi explicado como ocorreria a entrevista e combinado o melhor local e momento para sua realização.
Os dados foram coletados no período de maio a julho de 2021, utilizando-se os seguintes instrumentos: formulário de caracterização sociodemográfica e clínica do paciente, contendo variáveis como nome, estado civil, etnia, sexo, idade, endereço, telefone, ocupação anterior a doença, causa da internação e tempo da causa que levou a internação no SAD; formulário de caracterização sociodemográfica dos cuidadores familiares e questões relacionadas ao desempenho do cuidado, abordando as seguintes seções: dados de identificação, dados socioeconômicos, antecedentes pessoais gerais, antecedentes familiares, atividade física e atividades desempenhadas como cuidador; e Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE), para obtenção dos níveis de ansiedade.
O Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) foi validado e adaptado para a língua portuguesa por Angela Biaggio,7 trata-se de um instrumento autorrelatado, do tipo Likert, que se divide em duas subescalas distintas. A subescala IDATE-E, utilizada para avaliar o estado de ansiedade, é composta por 20 questões que avaliam como a pessoa se sente quando está respondendo, sendo 10 perguntas com sentido positivo e 10 para o negativo. A subescala IDATE-T, que avalia o traço de ansiedade, também é composta por 20 perguntas, sete são positivas e 13 negativas e permitem avaliar como o indivíduo se sente de modo geral. O escore total é obtido através do somatório das respostas, podendo variar de 20 a 80 pontos para cada escala, sendo que 20 a 34 equivalem a baixo nível de ansiedade; 35 a 49, médio nível de ansiedade; 50 a 64, alto nível de ansiedade; e 65 a 80, a nível de ansiedade muito alto.
Cabe ressaltar que o estado de ansiedade corresponde a uma condição emocional temporária relacionada a sentimentos desagradáveis como tensão, apreensão, nervosismo e/ou preocupação, referidos em situações agudas e específicas, percebidos em determinado momento. Já o traço de ansiedade é tido como uma característica de personalidade do indivíduo ao longo da vida, sendo relativamente mais estável a tendência de perceber e reagir a situações vistas como ameaçadoras. Esse não costuma ser observado diretamente, exceto caso indivíduo se depare com situações estressantes.
Os dados obtidos foram armazenados e organizados em uma planilha eletrônica, no programa Excel for Windows, com dupla digitação independente. Posteriormente, os dados foram analisados por meio de estatística descritiva, utilizando o software supracitado, com a análise de frequência simples (n) e relativa (%). Também foram expressos em medidas de tendência central (média e mediana) e de dispersão (desvio padrão e valores máximo e mínimo). A ansiedade do cuidador foi avaliada a partir dos escores obtidos no IDATE, conforme a categorização fornecida pelo teste.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Instituição de Ensino com parecer número 4.646.937.
RESULTADOS
Neste estudo, as características sociodemográficas dos cuidadores familiares participantes do estudo eram, em sua maioria, do sexo feminino (76,7%), possuíam idades na faixa etária de 30 a 44 anos (43,3%), com média de 45 (σ14,42), solteiros (50%) e possuíam ensino médio completo (33,3%). Quanto ao grau de parentesco, verificou-se a prevalência de filhos(as) (50%) e cônjuges (23,3%).
Em relação à situação profissional dos cuidadores familiares, identificou-se uma variedade de funções (n=14), sendo majoritariamente do lar (20%), aposentados (16,7%) e desempregados (16,7%). A renda per capita familiar variou de <1 a >2 salários mínimos, sendo sua maioria <1 salário mínimo (53,4%). Destaca-se que um dos participantes tinha como renda apenas o auxílio emergencial fornecido pelo governo, apresentando renda per capita familiar de R$74,00.
No contexto dos aspectos de saúde dos participantes, 43,3% dos cuidadores familiares relataram comorbidades, com a hipertensão arterial sistêmica (HAS) em destaque (30%), seguida de diabetes mellitus (DM) (16,7%), doenças respiratórias (13,3%) e ansiedade (10%). Além disso, foi registrado o uso contínuo de medicações, incluindo anti-hipertensivos (20%), hipoglicemiantes (20%), estatinas (20%) e antidepressivos (20%). Predominou entre os cuidadores não fumantes (80%) e aqueles sem o hábito de consumir bebidas alcoólicas (100%).
No que se refere à prática de atividades físicas, a maioria (73,3%) alegou não se exercitar, principalmente devido à falta de tempo (43,3%), falta de vontade (30%) e à pandemia da COVID-19 (10%). Entre os que praticavam alguma atividade (26,7%), as caminhadas foram predominantes (16,7%).
Em relação aos aspectos do cuidado, verificou-se que o tempo dedicado ao familiar variou de menos de um mês a 38 anos, predominando o período de dois meses (33,3%). Quanto ao tempo dedicado diariamente ao cuidado, a maioria dos cuidadores afirmou estar envolvida em tempo integral, ou seja, 24 horas por dia (70%). Os demais cuidadores mencionaram períodos que variavam de 9 a 18 horas por dia (26,7%). No entanto, houve uma exceção em que um cuidador se dedicava por 12 horas a cada dois dias da semana e 12 horas a cada dois domingos do mês.
Quando questionados sobre ter auxílio para o cuidado, 86,7% dos participantes afirmaram recebê-lo principalmente diariamente (73,4%), sendo fornecido, em sua maioria, por familiares (83,3%), incluindo filhos, companheiros, irmãos, sobrinhos, pais, cunhados, noras, netos e tias. Esse apoio dava-se de diversas formas, desde assistência frequente ou esporádica nos cuidados até auxílio no transporte, apoio financeiro e ajuda nas tarefas domésticas. É importante ressaltar que alguns participantes mencionaram receber auxílio de mais de um grupo.
Em relação aos tipos de cuidados prestados, todos os cuidadores mencionaram o cuidado assistencial (100%), que incluía procedimentos como: curativos, administração de medicamentos, verificação de sinais vitais, aspiração de traqueostomia, controle da glicemia capilar, troca de bolsa coletora (colostomia), instalação e controle de oxigênio, e cuidados com estomias. Além disso, a maioria estava envolvida no cuidado com alimentação e hidratação (90%), higiene (90%), conforto (76,7%) e locomoção (66,7%). A realização de outras tarefas concomitantes ao cuidado foi relatada por 96,7% dos participantes, incluindo afazeres relacionados com a casa (86,7%), trabalho (30%) e cuidados com outros membros da família (26,7%), como filhos, companheiros e pais.
Quanto à distribuição dos níveis de ansiedade dos cuidadores, conforme avaliação pelo IDATE, observou-se que 43,3% apresentaram um nível médio de ansiedade estado (IDATE-E), seguido de baixo 30%, alto 20% e muito alto 6,7%. No que diz respeito ao nível de ansiedade traço (IDATE-T), houve predominância do nível alto 36,7%, seguido de baixo 33,3% e médio 30%.
Ao relacionar a distribuição dos níveis obtidos no IDATE-E com os respectivos níveis do IDATE-T, observou-se que dos 36,7% cuidadores que apresentaram nível alto de ansiedade traço, 13,3% manifestaram um nível médio de ansiedade estado, seguido de alto 10%, muito alto 6,7% e baixo 6,7%. O nível baixo de ansiedade traço foi identificado em 33,3% dos participantes, sendo que o mesmo nível de ansiedade estado predominou em 20%, seguido de nível médio 10% e alto 3,3%. Por fim, dos cuidadores que apresentaram nível médio de ansiedade traço (30%), 20% manifestaram nível médio, 6,7% alto e 3,3% nível baixo de ansiedade estado. Como exemplifica a Tabela 1.
Tabela 1. Distribuição dos cuidadores familiares de pacientes em cuidado domiciliar conforme os níveis de ansiedade do IDATE-T (traço) e do IDATE-E (estado). Santa Maria (RS), Brasil, 2021.
Nível ansiedade IDATE-T |
n(%) |
Nível ansiedade IDATE-E |
n(%) |
Baixo |
10 (33,3) |
Baixo Médio Alto |
6 (20,0) 3 (10,0) 1 (3,3) |
Médio |
9 (30,0) |
Baixo Médio Alto |
1 (3,3) 6 (20,0) 2 (6,7) |
Alto |
11(36,7) |
Baixo Médio Alto Muito alto |
2 (6,7) 4 (13,3) 3 (10,0) 2 (6,7) |
TOTAL |
30(100,0) |
TOTAL |
30(100,0) |
Ressalta-se que alguns cuidadores familiares que apresentaram níveis de ansiedade estado (E) inferiores aos níveis de ansiedade traço (T) estavam em acompanhamento com profissionais da saúde mental e/ou faziam uso de medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos. Além disso, relataram contar com uma rede de apoio mais robusta e envolver-se em diversas atividades físicas.
DISCUSSÃO
Ao analisar as características dos cuidadores familiares, verificou-se um perfil predominantemente feminino, com idade média de 45 anos, concentrando-se na faixa etária entre 30 e 44 anos. Esses achados estão em consonância com diversas pesquisas nacionais e internacionais que identificam as mulheres como a principal força de trabalho no cuidado informal, com idades variando de 18 a 85 anos, sendo possível constatar que mais da metade dos cuidados informais são prestados por essa população.8-10 Tais dados evidenciam a persistência dos valores morais historicamente construídos na sociedade, que naturalizam a mulher como detentora do cuidado.
Embora haja um gradual aumento da participação masculina no cuidado, essa presença ainda é singela, possivelmente devido à predominância da cultura patriarcal, em que é incumbido ao homem o papel de provedor financeiro do lar.8,11 Entretanto, quando este ocupa a função de cuidador de um familiar, ele percebe as dificuldades e a falta de habilidades e ressignifica a situação, tendo atitudes compatíveis com a realidade em que está inserido. O homem como cuidador muda hábitos e altera prioridades para incluir-se e ajustar-se à nova função, pois o cuidar, para ele, é uma escolha que simboliza afeto, carinho e amor.12
Neste estudo, observou-se o predomínio do estado civil solteiro, o que diverge de estudos realizados com cuidadores familiares,13,14 em que sua maioria era casada. Além disso, os cuidadores familiares eram filhos que cuidavam de seus pais, o que pode estar relacionado ao aumento da expectativa de vida. Essa maior longevidade, quando acompanhada de perdas funcionais e/ou cognitivas, gera a necessidade de cuidados contínuos, frequentemente assumidos pelos filhos.15
Corroborando um estudo internacional,16 os resultados obtidos demonstram que a maioria dos cuidadores familiares possui ensino médio completo. No entanto, outros estudos encontrados identificaram baixo nível educacional entre os cuidadores.8,17 Essa divergência pode estar relacionada às características específicas da amostra e aos diferentes contextos socioeconômicos de realização dos estudos. Pesquisa conduzida com cuidadores familiares de vítimas de AVE afirma que aqueles que possuem maior grau de escolaridade podem apresentar maior sobrecarga emocional devido à melhor compreensão da condição de saúde do seu familiar. Em contrapartida, aqueles com menor nível educacional, por vezes, apresentam maior dificuldade para compreender a situação de saúde do seu familiar e, consequentemente, têm menos desgaste emocional.8
A análise dos aspectos socioeconômicos dos cuidadores familiares revelou a prevalência de renda per capita inferior a um salário-mínimo, corroborando com outras pesquisas,18,19 o que evidencia a disparidade social que afeta grande parte da sociedade brasileira e impacta diretamente a vida de milhares de famílias. Essa precária situação financeira pode estar diretamente relacionada à necessidade ou escolha de se afastar das atividades laborais para dedicar-se, muitas vezes de forma integral, ao familiar que necessita de cuidados.5,18
Nesse sentido, verificou-se que os cuidadores familiares se dedicam ao cuidado de forma integral, com tempo de cuidado variando entre menos de um mês a 456 meses (38 anos). Essa amplitude temporal corrobora achados de pesquisas nacionais e internacionais com cuidadores familiares,6,20,21 que demonstram a variabilidade do tempo de cuidado, comprovando que o cuidado domiciliar pode se estender por dias, meses, anos ou até mesmo ser permanente, dependendo do grau de dependência do familiar, seja ele parcial ou total. Desse modo, pode-se inferir que, enquanto o indivíduo não recuperar a sua independência, a presença do cuidador será necessária.
Diante disso, estudos complementares sugerem que cuidadores que desempenham suas responsabilidades por longos períodos e dedicam uma carga horária mais intensa aos cuidados enfrentam desafios psicológicos, especialmente em relação às suas interações sociais, ressaltando os impactos adversos que a rotina de cuidados pode ter sobre a saúde mental do cuidador familiar.8,18
No que se refere às atividades desempenhadas como cuidador familiar, autores destacam como principais o acompanhamento de consultas, auxílio na alimentação, locomoção e no uso de medicações. Além disso, avultam que a realidade do cuidador vai além do cuidado direto ao familiar dependente, pois também precisa conciliar essa demanda com as atividades domésticas e, muitas vezes, com o trabalho profissional.3,10,20,22 Essa sobrecarga de responsabilidades pode levar ao isolamento social, à exaustão física e emocional e ao declínio da saúde e bem-estar do cuidador.
As evidências apresentadas retratam a necessidade de assistência contínua ao familiar adoecido, expondo o cuidador familiar à sobrecarga de responsabilidades e aumento dos níveis de ansiedade, acarretando consequências e desafios econômicos e pessoais, bem como interferindo em suas atividades laborais e na sua saúde. Salienta-se que tal situação repercute diretamente no seu bem-estar físico e emocional, uma vez que os cuidadores familiares estão mais suscetíveis a desenvolver problemas de saúde mental e física, enfrentando uma adaptação inesperada à nova dinâmica de vida.14,18,22
Nessa conjuntura, percebe-se a importância da presença do cuidador secundário para auxiliar nos cuidados e possibilitar a diminuição da ansiedade e da sobrecarga do cuidador principal, como observado neste e em outros estudos.18,23,24 A presença de um cuidador secundário pode desempenhar um papel crucial na distribuição das responsabilidades de cuidado, proporcionando momentos de alívio e descanso ao cuidador principal, além de contribuir para a promoção da saúde e bem-estar desse indivíduo. O apoio de familiares, amigos ou profissionais de saúde é fundamental para aliviar a carga existente nas atividades diárias de cuidado, por permitir ao cuidador principal dedicar tempo para suas próprias necessidades e reduzir os efeitos adversos da sobrecarga física e emocional. Dessa forma, a presença de um cuidador secundário e o apoio social representam estratégias essenciais para aliviar a ansiedade, preservar a saúde e o bem-estar do cuidador principal, garantindo melhor qualidade de vida e capacidade de enfrentamento diante dos desafios inerentes ao contexto do cuidado familiar.17,18,23
Com relação ao histórico de saúde dos cuidadores familiares deste estudo, a HAS e o DM emergiram como as doenças mais prevalentes, exigindo o uso contínuo de medicamentos. Tal evidência vai ao encontro dos achados na literatura, uma vez que estudo similar demonstrou que a maioria dos cuidadores apresenta alguma doença crônica não transmissível.18,25 Os resultados desta pesquisa com relação à prática de atividade física concordam com outro estudo ao destacar a baixa adesão, o que pode aumentar o risco de doenças crônicas não transmissíveis e outras condições de saúde, como sintomas ansiosos ou depressivos.23,26
A polifarmácia também se mostrou frequente, principalmente para o manejo de sintomas como ansiedade e tensão muscular. Estudos18,27 indicam que cuidadores que fazem uso de muitos medicamentos tendem a apresentar maior sobrecarga física e mental, por entenderem que a presença de doenças pode estar relacionada com a função desempenhada pelo cuidador, com possível associação ao desgaste mental, como ansiedade e depressão. A utilização de um número expressivo de medicamentos, muitas vezes decorrente da automedicação, também pode acarretar o agravamento da sobrecarga física e mental.
No que se refere aos níveis de ansiedade investigados, os dados concordam com os resultados apresentados em estudo28 que utilizou o IDATE para medir o nível de ansiedade de cuidadores familiares e destacou que a maioria desses apresentaram nível médio de ansiedade estado (76%) seguido pelo nível baixo (24%). Já em relação ao nível de ansiedade traço (IDATE-T), este trabalho apresentou o predomínio de cuidadores com nível alto (36,7%), seguidos dos níveis baixos (33,3%) e médio (30%), divergindo dos resultados apresentados no estudo supracitado, em que houve maior número de casos de cuidadores com nível médio (90%) seguido pelo nível alto (6%) e baixo (4%). Além disso, não foram encontrados outros estudos que utilizaram a mesma categorização dos níveis de ansiedade deste trabalho, aplicado a cuidadores familiares.
Quanto à distribuição dos níveis do IDATE-T com os respectivos níveis do IDATE-E dos cuidadores familiares apresentados neste estudo, evidenciou-se que a maioria dos cuidadores familiares apresentava níveis de ansiedade estado equivalentes ao seu traço ou até mesmo ultrapassaram este limite. Ainda, vale ressaltar que alguns cuidadores familiares apresentaram níveis de ansiedade estado inferior ao traço, o que pode estar relacionado ao fato de que estes realizavam acompanhamento com profissionais da saúde mental e/ou faziam uso de medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos. Relataram, também, estar contando com uma maior rede de apoio ou praticando diversos tipos de atividades físicas. Todavia, não foram encontrados estudos que abordassem a relação entre níveis de ansiedade apresentados por esta população.
Contudo, com relação à atividade física, pesquisas evidenciam que a prática constante tem efeito benéfico na saúde mental e no bem-estar físico, podendo reduzir problemas comportamentais. Dentre os benefícios mais proeminentes, inclui-se a diminuição de sintomas depressivos e ansiosos, bem como a redução das respostas emocionais negativas frente ao estresse e ao uso de substâncias psicoativas, promovendo uma regulação emocional mais eficaz.29
Este estudo apresenta como limitação a amostra restrita a uma determinada região geográfica e instituição específica, o que pode cercear a generalização dos resultados para outras populações ou contextos de saúde. Assim, é importante reconhecer que, embora este estudo forneça dados importantes, ele representa apenas uma parte do panorama complexo do cuidado domiciliar e das necessidades dos pacientes e cuidadores familiares. No entanto, as informações oriundas deste estudo possibilitam aos profissionais implementarem ações de cuidado mais abrangentes e eficazes, considerando as necessidades específicas dos cuidadores. Além disso, podem direcionar pesquisas futuras fornecendo um retrato mais amplo da realidade dos cuidadores familiares.
CONCLUSÃO
Os resultados deste estudo refletem a complexidade e as demandas dos cuidadores familiares de pacientes em atenção domiciliar. A sobrecarga de tarefas enfrentada pelos cuidadores resulta em repercussões econômicas, sociais e de saúde, afetando seu bem-estar físico e mental. A análise socioeconômica dessa população revela desafios significativos, incluindo a precariedade financeira e a prevalência de doenças crônicas. Além disso, os cuidadores familiares mostraram, predominantemente, níveis médio, alto e muito alto de ansiedade, destacando a importância de uma abordagem ampla para essa população.
Os cuidadores familiares com níveis de ansiedade estado inferiores ao traço geralmente buscavam apoio de profissionais de saúde mental, usavam medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos, e relataram ter uma rede de apoio mais forte ou estarem envolvidos em várias atividades físicas. Isso ressalta o papel crucial do suporte para mitigar os impactos do cuidado sobre sua saúde.
Dessa forma, é necessário que a enfermagem, como ciência de cunho teórico-prático, considere as evidências científicas que identificam a sobrecarga de cuidar como geradora de ansiedade para a formulação de intervenções, que ofereçam suporte e fortaleçam a rede de apoio dos cuidadores no domicílio a fim de melhorar a qualidade de vida dessa população. Como possível estratégia, sugere-se o desenvolvimento de grupos de apoio e, no âmbito acadêmico, projetos de extensão com encontros periódicos com cuidadores familiares na atenção básica, criando uma rede de apoio para trocas de experiências entre cuidadores, estudantes e profissionais da saúde.
Nesse contexto, é crucial mais pesquisas nessa temática, abrangendo as áreas da psicologia e gestão pública, objetivando a elaboração de políticas públicas que ofereçam suporte financeiro, profissional e psicossocial a esses cuidadores, além de investir na promoção da saúde, garantindo um sistema de cuidado mais inclusivo e sustentável. Essa abordagem não apenas beneficiará os cuidadores, mas também impactará positivamente a qualidade do atendimento prestado aos pacientes, promovendo uma relação mais harmoniosa e eficaz entre todos os envolvidos no processo de cuidado.
CONTRIBUIÇÕES
PP Paz contribuiu para todas as etapas de produção do artigo: concepção, análise e interpretação dos dados, redação, revisão crítica do conteúdo e aprovação final da versão a ser publicada. JM Druzian e DGM Duizith contribuíram para a redação, revisão crítica e aprovação final da versão a ser publicada. K Rossato, CS Silveira e DF Siqueira contribuíram para a revisão crítica do conteúdo e aprovação final da versão a ser publicada. NMO Girardon-Perlini contribuiu para a concepção, análise dos dados, redação, revisão crítica do conteúdo e aprovação final da versão a ser publicada.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
FINANCIAMENTO
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - Ações Afirmativas PIBIC-AF/CNPq/UFSM.
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Correspondência
Nara Marilene Oliveira Girardon-Perlini
E-mail: nara.perlini@ufsm.br
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