Memórias sobreviventes à “Solução Final”: reflexões inspiradas em “A mulher de pés descalços” de Scholastique Mukasonga

Autores

  • Anita Maria Pequeno Soares UFPE

DOI:

https://doi.org/10.51359/2317-5427.2020.248004

Palavras-chave:

Scholastique Mukasonga, Ruanda, genocídio, literatura

Resumo

Compreender tragédias, como a que aconteceu em Ruanda em 1994, requer um olhar atento ao que o Ocidente fez com a África em termos práticos como também teóricos. Nesse ano, quase um milhão de ruandeses foram brutalmente assassinados nas lutas fratricidas entre os tutsis e os hutus. Os conflitos entre tais grupos já vinham escrevendo a história do país com letras de sangue e o mundo falhou em evitar a “solução final” perpetrada contra os tutsis. Em “A mulher de pés descalços” (2017), a escritora ruandesa Scholastique Mukasonga utiliza a arte para dar vazão às dores profundas que carrega. As memórias da autora são o fio condutor da história que retrata a vida de sua família no exílio em Bugesera, um distrito de Ruanda. Centrada na sua mãe, a obra busca perpetuar memórias de um povo fadado a um destino tão trágico. A autora traz, sobretudo, detalhes da vida de quem era, além de tutsi, mulher. Está presente, nas linhas escritas por Mukasonga, um olhar crítico à colonização e às suas consequências perversas. Inspirada por essa leitura, busquei compreender como os processos históricos que subjugaram o continente africano não apenas fazem do genocídio ruandês uma tragédia anunciada, bem como criaram uma lógica racista que permanece atual e que permitiu a inércia do mundo frente ao que acontecia no supracitado país africano.

Biografia do Autor

Anita Maria Pequeno Soares, UFPE

Doutoranda em Sociologia na Universidade Federal de Pernambuco, com período sanduíche na Universidade de Lisboa, onde atuou como pesquisadora visitante na Faculdade de Letras da referida universidade estrangeira. Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFPE e formada com dupla-titulação em Ciências Sociais pela UFPE e em Sociologia pela Universidade de Hamburgo (Alemanha). Atualmente, é integrante do Grupo de Pesquisa Sociedade Brasileira Contemporânea: Cultura, Democracia e Pensamento Social. Tem interesse nas áreas de Relações Raciais no Brasil, Feminismo Negro, Abolicionismo e Pensamento Social.

Referências

APPIAH, Kwami Anthony. 1997. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Contraponto.

BORGES, Antonádia et al. 2015. Pós-Antropologia: as críticas de Archie Mafeje ao conceito de alteridade e sua proposta de uma ontologia combativa. Sociedade e Estado, Brasília, v. 30, n. 2, p. 347-369.

COSTA, Sergio. 2006. Dois Atlânticos: teoria social, anti-racismo, cosmopolitismo. Belo Horizonte: Editora UFMG.

FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. 2014. As fronteiras raciais do genocídio. Revista de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, v. 01, n. 01.

GABRIEL, Ruan de Sousa. 2017. Scholastique Mukasonga: “Me tornei a guardiã da memória do meu povo”. Época, 27 de julho de 2017. Disponível em: <https://epoca.globo.com/cultura/noticia/2017/07/scholastique-mukasonga-me-tornei-guardia-da-memoria-do-meu-povo.html>. Acesso em: março de 2020.

GILROY, Paul. 2012. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34.

GRÜNFELD, Fred; HUIJBOOM, Anke. 2007. The Failure to Prevent Genocide in Rwanda: the role of bystander. Boston: Martinus Nijhoff Publishers.

KILOMBA, Grada. 2010. Plantation Memories: Episodes of everyday Racism. Münster: Unrast.

LADSON-BILLINGS, Gloria. 2006. Discursos racializados e epistemologias étnicas. In: DENZIN, Norman K.; LINCOLN, Yvonna S. O planejamento da pesquisa qualitativa:teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed. p. 259-279.

LORDE, Audre. The First Cities. Published by The Poets Press, Inc, New York (1968).

MBEMBE, Achille. 2018. Crítica da Razão Negra.São Paulo: N-1 Edições.

MACAMO, Elísio. 2002. A constituição de uma sociologia das sociedades africanas. Estudos Moçambicanos, Maputo, n. 19, p. 5-26.

MACAMO, Elísio. 2013. Respostas sem perguntas, ou: porque África não é um problema por resolver. In: Progress 2º Seminário Internacional sobre Ciências Sociais e Desenvolvimento em África. Lisboa. p. 255-254.

MOGHALU, Kingsley. 2005. Rwanda’s Genocide: the politics of global justice.New York:Palgrave Macmillian.

MOREIRA, Carlos André. Scholastique Mukasonga: “Quando você esquece, está matando as vítimas uma segunda vez”. GaúchaZH, 29 de novembro de 2018. Disponível em: <https://tinyurl.com/y8o8l5jb>. Acesso em: março de 2020.

MUDIMBE, Valentin-Yves. 2013. A invenção de África: Gnose, Filosofia e a Ordem do Conhecimento. Mangualde. Edições Pedago; Luanda, Edições Mulemba.

MUKASONGA, Scholastique. 2017. A Mulher de Pés Descalços. São Paulo. Editora Nós.

NEVES, Paulo Sérgio da C. 2005. Luta Anti-Racista: entre reconhecimento e redistribuição. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 20, n. 59, p.81-96.

NOGUEIRA PINTO, Teresa. 2011. Ruanda: entre a segurança e a liberdade. Relações Internacionais, Lisboa, v. 32, p. 45-57.

RODRIGUES, Maria Fernanda. Scholastique Mukasonga não quis escrever livros sobre o horror, mas ele está em todo lugar. O Estado de São Paulo, 30 de junho de 2018. Disponível em: <https://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,scholastique-mukasonga-nao-quis-escrever-livros-sobre-o-horror-mas-ele-esta-em-todo-lugar,70002377321>. Acesso em: 17 de março de 2020.

SHARLACH, Lisa. 1999. Gender and Genocide in Rwanda: women as agents and objects of genocide. Journal of Genocide Research, 1(3), p. 387-399.

Downloads

Publicado

21-08-2020