Paraíso Apinhado: sobre outros enquadramentos dos Lençóis Maranhenses
Resumen
A composição das imagens dos Lençóis Maranhenses comumente projeta a ideia de paraíso configurado a partir de dunas, lagoas cristalinas, céu espetacular, sugerindo um lugar natural, vazio, óbvio (BARTHES, 1990). Opera, assim, na construção de uma natureza prístina, simplificando ou apagando a existência humana das comunidades tradicionais que ali vivem, desconectando-a de questões político-econômicas relacionadas à sua própria produção enquanto destino turístico único.
Retratadas pelo olhar dos turistas, tais imagens, ajudam a consolidar um modelo de contato e consumo da natureza através da contemplação, ao mesmo tempo em que reforçam a ideia de uma natureza intocada (DIEGUES, 2008) para aquela unidade de conservação, criada em 1981, pelo Decreto Nº 86.060.
Produzidas no plano fotográfico, o enquadramento dessas imagens é marcado pela seleção de alguns elementos naturais – dunas, lagoas, céu azul e pôr do sol – que conferem um caráter cênico, e de performances e poses que se esforçam para exibir um apossamento exclusivo, dando a ideia de que estão sozinhos naquela imensidão.
Essas imagens-comuns que abarrotam as redes sociais e em outros sítios de busca nos possibilitam mirar, antropologicamente, a problemática da construção e reprodução de uma paisagem que vai se distanciando do existente e vivido cotidianamente pelas populações locais do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses – PNLM, e vai sendo desenhada como uma forma concluída e propícia à contemplação, quando se refere a um lugar turístico. Aqui percebemos a permanência histórica do sentido de paisagem como representação pictórica como cenário com elementos marcantes e fixos, confinando o mundo no âmbito de suas superfícies (INGOLD, 2015; CAUQUELIN, 2007).
Diante disso, posiciono a minha câmera (Canon EOS Rebel T7) na direção dos turistas e os acompanho em dois dos passeios mais procurados do PNLM, que é o do Circuito da Lagoa Azul e da Lagoa Bonita, em Barreirinhas, com algumas perguntas na cabeça: o que não aparece nas cenas icônicas de turistas sozinhos em meio à vastidão de dunas e lagoas? Por que não aparece nas cenas o amontoado de outros que estão naquele lugar que se convencionou chamar de paraíso?
Dessa forma, o conjunto de fotografias desse ensaio, o qual intitulei de “paraíso apinhado” pode nos fazer perceber outras dimensões da reprodução das imagens que se forjam pelo olhar do turista, através de um certo enquadramento de elementos naturais – dunas alvas, lagoas de azul-turquesa e verde-esmeralda, céu azul e pôr-do-sol apoteótico –, de um certo ângulo – geralmente sozinho de frente para o horizonte e de costas para o espectador – e de um certo plano – panorâmico, com fundo infinito tecendo uma experiência de lugar que ficará na memória.
Inspirada no trabalho fotográfico sobre turismo de Martin Parr[1] e na perspectiva ingoldiana (INGOLD, 2008; 2015; 2022) sobre percepção do ambiente registro outros enquadramentos da paisagem como forma de refletir sobre o movimento e a textura que se desenham por meio das caminhadas dos turistas que seguem em fila seu guia turístico, sarapintando no chão, linhas, marcas, fluxos e disputas que não aparecem nas imagens instagramáveis que não permitem o outro, pois é a celebração do eu sozinho a consumir a natureza. Paraíso apinhado não é bom para porta-retratos.
[1] A série fotográfica de Martin Parr é “The Last Resort”, de 1986. Ver Williams (2014).
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