CordelAgem - Um ensaio fotoetnográfico.

Autori

Abstract

Pesquisadoras em tempos de pandemia se viram, em suas vidas privadas, diante de muitas telas: computadores, celulares e tablets foram utilizados como meio de acesso e partilha do conhecimento produzido por  elas no ambiente doméstico -  fisicamente distantes, mas remotamente perto umas das outras, unidas pela sobrecarga e sobreposição dos novos papéis: advento pandêmico! Na maior parte das vezes o trabalho remoto as colocou, de novo, nos espaços destinados à mulher ao longo dos tempos. Às mulheres coube, mais uma vez, a responsabilidade de alimentar, cuidar de filhos, maridos, parentes, das roupas, além de garantir a limpeza para que todos contassem com o necessário para estudar ou trabalhar  at home!

Em um mundo saturado de lives e interações remotas foram alçadas a uma nova categoria de si mesmas! Em meio ao caos surge a criança: Florica! 

Florica, nos anos pueris da infância e no turbilhão da curiosidade, convida para ir às ruas, ocupar os espaços vazios de sentido com suas brincadeiras de corda e colagem. CordelAgem! Cordelagem? Cordel + colagem: Cordelagem. A palavra cordel representa, aqui, a corda, os fios grossos e sem fim que, ao longo da história, trouxeram para as mulheres a lembrança diária de suas tarefas domésticas - lavar e pendurar lençóis, roupas, fraldas, sonhos, desejos. Ao vento secavam junto com o suor do rosto. E os sonhos? Voavam para longe. Colagem - palavra que remete a cola, a montagem, a justaposição. Cacos e pedaços do que ainda é possível ser transformado pela ação da mulher no seu dia a dia.Em outras palavras, “cacos e pedaços” que unem dois espaços  habitualmente separados: a casa e a rua. Espaços que, cf. DaMatta (1997), guardam regras diversas; na “rua” o anonimato, na casa, relações face a face, lócus da privacidade, harmonia e conflitos.   

Inserido em nova abordagem da fotoetnografia, este ensaio busca demarcar a gênese de uma técnica de produção de linguagem que enriquece não só a escrita formal dos textos acadêmicos, como passa, também, a ser fonte de inspiração para que novos e indizíveis pensamentos aflorem, apelando para a força criativa e a potência geradora de novas possibilidades que habitam em cada um de nós:  nossa criança é convocada a brincar. A cordelar  em um “pedaço”  de intermediações na grande cidade,  espaço intermediário entre o privado (a casa) e o público (a rua). 

Florica nasce da cabeça do generoso pai José, apelido que deu à sua primogênita, nascida depois de um filho perdido em um susto, um pulo da mãe da máquina de lavar ao chão da área - mulher tem que cuidar da casa, do macho e das crias... E às vezes se perde ao fazê-lo. E foi se perdendo, durante a pandemia e em meio às dificuldades impostas pelas exigências acadêmicas, com seus sujeitos confinados em casa, que Florica floresceu de novo e se fez ver - veio em socorro da pesquisadora, pintou, bordou e não mais quis ir embora. Hoje coabitam um mesmo corpo, dividem um mesmo coração e saem pelo mundo fazendo suas cordelagens. Florica é a personagem menina da mulher que virou, entre outras, Vanessa Meirelles, uma das autoras desse ensaio. Foi resgatada da infância, das relações familiares, dos jogos de esconde-esconde e de cabra-cega,  para interagir com o público não só performaticamente, mas, principalmente, para desvelar a Florica que habita em cada um de nós.

Biografia autore

Vanessa da Costa Meirelles, PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC/SP

Vanessa Meirelles é pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Identidade da PUC/SP, vinculado ao Grupo Interdisciplinar de Pesquisa sobre Identidade Humana do CNPq. Pós-Graduada em psicopedagogia, atua em clínica com jovens e adultos. Graduada em língua e literatura inglesa, pedagogia e turismo. É certificada internacionalmente em gestão de projetos sociais PMDPro pela APMG International. Em Harvard teve a oportunidade de aprofundar seu conhecimento sobre práticas inovadoras que impactam a aprendizagem. É co-fundadora da FabricAções, entidade não governamental que atua pelo Brasil desde 2013, fabricando ações nas esferas socioeconômica, socioambiental e sociocultural, contribuindo para que um maior número de cidadãos alcancem sua emancipação financeira de maneira sustentável. Idealizadora do MulherAção, um núcleo de trabalho de mulheres em ação, atua gerando oportunidades para que outras mulheres, a partir de suas necessidades, desejos e ideias, também realizem suas ações. Como bolsista da ONU, recebeu assessoria para incrementar seu trabalho com a atual coordenadora de projetos da FabricAções.

Pubblicato

2021-09-28

Fascicolo

Sezione

Ensaio Visual