As Geografias Agrárias a partir da Panamazonia: Lutas socioambientais e fronteiras do capital no Brasil

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Palavras-chave:

editorial, encontro, geografia agrária,

Resumo

No momento em que se cruzam uma série de medidas que buscam o avanço do agro-mínero-negócio sobre os territórios dos povos dos campos, das florestas e das águas no Brasil, como a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito contra o MST, os ataques ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ministério dos Povos Indígenas (que não tem nem um semestre de existência), um ano do brutal assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, a edição especial da Revista Mutirõ – Folhetim de Geografias Agrárias do Sul vem em boa hora. Como um café forte para inspirar e reanimar para as lutas de nosso tempo apresentamos esse dossiê. Saído das entranhas do XXV Encontro Nacional de Geografia Agrária – ENGA, realizado no período de 08 a 11 de dezembro de 2022, esse material é resultado dos trabalhos que se destacaram na apresentação e no debate dos Grupos de Discussão (GD’s) do evento.

Não é pouca coisa observar a centralidade da terra e dos povos da terra nos processos de luta que vem se desenrolando nos últimos tempos. Nos vemos em meio a virulentos ataques vindos da aliança espúria entre um Congresso Nacional capitaneado pela extrema-direita e pela bancada ruralista, com seus agentes buscando se reposicionar criminalizando os movimentos sociais. Tudo isso em um contexto em que sua principal liderança, Jair Messias Bolsonaro, vai vendo derreter sua imagem de mito com escândalos, um mais arrepiante que outro, colocando seu bloco em cheque. Procuram reagir aumentando os níveis de violência, das chamadas Fake News, das criminalizações de toda ordem e agressões sistemáticas ao ambiente, com políticas genocidas e terricidas. Processos que complexificam todas as dimensões da luta de classes e da Questão Agrária em nosso país e continente.

Sublinhar a centralidade permanente das lutas pela terra/território faz-se ainda mais necessário quando muitos setores continuam achando este um debate datado, secundário e residual, ignorando as bases de formação sócio-espacial brasileira e a permanência e renovação das classes calcadas no controle e monopólio da terra e da natureza, investindo na sua apropriação e controle através de dispositivos sofisticados aliados com uma estrutura que repõe continuamente lógicas como o trabalho escravo, assim como o extermínio, a grilagem e a influência política para benefício próprio - como as diversas leis que tem autorizado e premiado a apropriação de terras públicas.

 

Neste sentido é que o XXV ENGA colocou o tema “As Geografias Agrárias a partir da Panamazônia: lutas socioambientais e fronteiras do capital no Brasil”, marcando o retorno dos debates presenciais sobre as “questões agrárias” que nos interpelam e interrogam e que continuam, como vemos, sendo protagonistas das disputas por poder em suas diversas facetas. Debates “acalorados” numa Belém, PA que recebeu o primeiro ENGA realizado na região amazônica.

Mesmo vendo as permanências das Questões Agrárias não é difícil perceber as forças e as resistências dos povos da terra para suportarem e se reinventarem nessas centenas de anos, inclusive buscando influir politicamente cada vez mais, através de processos auto-organizativos e traçando novas alianças com sujeitos da cidade, fazendo surgirem novas comunidades, territórios, identidades. Sua capacidade continua sendo testada e suas vitórias continuam. Grafando suas autonomias através de seus territórios de vida continuam resistindo as frentes traçadas pelo capitaloceno.

Os trabalhos a seguir dialogam com estes desafios, assumindo esforços teóricos e políticos de não apenas entender, mas afetar-se e solidarizar-se com estas e outras tantas lutas. Como é próprio dos agraristas, diga-se de passagem. Vamos aos textos.

Ariete Pestana e Mário Arnaud trazem a criação e mudanças introduzidas pelos Acordos de Pesca, com foco no município de Limoeiro do Ajuru no Pará, analisando os impactos e efeitos nos âmbitos socioeconômico, cultural e na defesa dos territórios ribeirinhos, pensando ainda as resistências a grandes projetos como a UHE de Tucuruí.

Alberto da Silva e Claudia López colocam no centro da reflexão os garimpos, analisando a situação destes na Terra Indígena Kayapó, no estado do Pará. Com pesquisa desenvolvida no Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), delineia as continuidades que sofreram processos desestruturantes de seus modos de vida, desde a colonização até o presente, com o garimpo, como parte do neo-extrativismo e da colonialidade que não encerrou-se com a proclamação da independência nas margens de um rio. Tema atualíssimo com a revelação das condições de povos como os Yanomamis, as desintrusões em curso em diversas partes da Amazônia invadidas pelo saque do subsolo e agora com as recentes revelações da contaminação por mercúrio de pescados nos estados dessa grande Bacia que tentam envenenar mais e mais.

Já Gustavo Soares e Jorge Gómez abordam as experiências de assessoria jurídica e planejamento territorial através do coletivo PLANTEAR, subvertendo instrumentos técnicos da análise espacial na luta pela terra e inquietando e politizando a cartografia, num estudo-movimento que neste artigo se auto-mapeia também. Experiência interessante!

Rodrigo Marciel aborda o Cerrado brasileiro, sublinhando sua importância na distribuição dos recursos hídricos pelo país, biodiversidade e sociodiversidade, com seus povos e identidades, demandando a institucionalização da Semana Integrada do Cerrado, proposição que mescla o regional, o político e o acadêmico.

Everton Reis, Douglas Costa e Hemilly Campos discutem as consequências e distorções da “sustentabilidade” da palma de dendê na Amazônia, abordando temas como o racismo ambiental, descolonialidade e geografia agrária, no contexto de intensificação de conflitos na sua micro-região de estudo, Tomé-Açu (PA), tendo como alvo principal a TI Turé-Mariquita habitada por tembés, território que tem sido alvo de violentos ataques como o atentado quase fatal a uma de suas lideranças, Lúcio Tembé, em meados de maio deste ano (2023).

Como não poderia deixar de ser, a educação/pedagogia do campo ocupa dois dos artigos deste dossiê. No primeiro, Júlio Feitoza e Leônidas Marques trazem a pedagogia freireana e seu papel nos contextos rurais, explorando seu potencial libertador e revolucionário. Ao centralizar conceitos geográficos como “lugar” para dialogar com esta pedagogia, tecem lugares de encontro (docente x discente) e identificam chaves para compreender e transformar a realidade nesses contextos.

Já Paola Paz e Tereza Vasconcelos nos brindam com uma reflexão sobre a formação de professores como meio de fortalecer a territorialização camponesa, valorizando seus saberes, a partir do Assentamento de Reforma Agrária “Lagoa do Mineiro”, em Itarema (CE). A pesquisa, desenvolvida pelo Laboratório de Prática de Ensino de Geografia (LAPEGEO) da Universidade Estadual do Ceará (UECE), traz ao fim uma proposta de recurso didático.

Mariana da Silva traz um trabalho sobre financeirização, discutindo a hipótese de que a terra tem sido tratada cada vez mais como um ativo financeiro específico, voltando a atenção para TIMOs (Timberland Investment Managemant Organizations). Quando a agenda verde entra em disputa em instituições multilaterais, rebatendo-se entre tendências que se apropriam das discussões como tábua de salvação para a economia global estagnada principalmente após a crise de 2008, identificar as tendências e dispositivos da financeirização da terra se faz necessário para dar conta do complexo mosaico que forma as questões agrárias.

Por fim, Lorena Izá Pereira nos coloca a questão do controle do território lido através do agrário brasileiro, dominado não só pela produção agrícola, mas pelos fatores que o atravessam e condicionam. São as territorialidades em jogo, os mercados, a cumulação de capital. É a base material sob as lentes de uma investigadora que enfrenta esse desafio tão velho e tão novo, este enigma que continua a nos inquietar.

Essa “mostra” tem o desafio de representar aqui os tantos trabalhos divididos nos 17 GD’s do XXV ENGA, tendo sido indicadas pelo comitê científico e pelos coordenadores dos grupos de discussão. Sob a escrita vinda de tantos “nós” agraristas, talvez queiram indicar estes “nós” que dão nome ao Grupo de Pesquisa Territorialização Camponesa na Amazônia, sediado na Universidade do Estado do Pará e que foi um nodal da realização do ENGA em dezembro de 2022. Encontro tecido por várias mãos e que provou, mais uma vez, o poder da coletividade.

Também simbólico é o mês de seu lançamento: junho, mês de colheita e festa nos campos e cidades país afora. Pois as lutas aqui grafadas e grafadas na terra se nutrem dessas festas, utopias, rezas e cachaças, arraiais de santos. Um fogo feito para iluminar a noite, para se dançar ao redor, para aquecer os corações. Fogo pequeno e entretanto compartilhado, que aquece e, a seu modo, aduba também a terra. Não o fogo do agro, da gente odiosa que odeia poesia e festa deixando paisagens monótonas e esvaziadas no rural brasileiro. O fogo do povo da terra, aceso em junho e sem apagar dos olhos, das mãos, dos pés, dos corações e corpos, renovado a cada encontro que se inscreve no espaço-tempo.

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Biografia do Autor

Paulo Olivio Correa de Aquino Junior, Universidade Estadual do Pará

Mestre em Desenvolvimento Sustentável pelo PPGDSTU - NAEA (UFPA), graduado em Geografia pelo Instituto Federal do Pará (IFPA - Campus Belém), professor de educação básica nos municípios de Maracanã e Santarém Novo (PA), vinculado ao Grupo de Pesquisa Territorialização Camponesa na Amazônia e ao grupo de pesquisa Povos Indigenas e Tradicionais em Tempos de Mudanças Climáticas: Adaptação, Persistência e Resistência em Terras e Territórios Amazônicos.

Fabiano de Oliveira Bringel, Universidade Estadual do Pará

Possui graduação em Geografia, licenciatura e bacharelado pela Universidade Federal do Pará (2001). Fez mestrado em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Sustentável pela UFPA/Embrapa (2006). Doutor em Geografia pela UFPE (2015) na área de concentração Regionalização e Análise Regional. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Agraria e Agricultura Familiar Camponesa, atuando principalmente nos seguintes temas: Amazônia, campesinato, assentamentos rurais, questão agrária e conflitos territoriais, mineração e Questão Ambiental. É professor do Curso de Geografia da UEPA. Pesquisador ligado a Rede de Pesquisadores em Geografia (Socio)Ambiental RP-G(S)A. Coordena o Grupo de Pesquisa Territorialização Camponesa na Amazônia - GPTECA/UEPA e o Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Espaço Agrário e Campesinato - LEPEC. Integra o GT Pensamento Crítico em Geografia da CLACSO - Conselho Latino Americano de Ciências Sociais. Atua também como docente da pós graduação lato sensu em ensino de geografia da amazônia e professor permanente do Programa de pós graduação em geografia - PPGG da Universidade do Estado do Pará. Atual coordenador do PPGG/UEPA.

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Publicado

2023-08-09

Como Citar

Aquino Junior, P. O. C. de, & Bringel, F. de O. (2023). As Geografias Agrárias a partir da Panamazonia: Lutas socioambientais e fronteiras do capital no Brasil. Revista Mutirõ. Folhetim De Geografias Agrárias Do Sul, 4(2), 1–3. Recuperado de https://periodicos.ufpe.br/revistas/mutiro/article/view/258850

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